Arcevo Oral

SELEÇÃO DAS COMUNIDADES E DOS PARTICIPANTES

 

Na maioria dos trabalhos em Dialectologia e Sociolinguística Variacionaista a escolha do lugar em que as amostras serão coletadas enquadra-se nas questões metodológicas, visto que esses lugares são representados por isoglossas, as quais permitem traçar características dialetais do Brasil, prefigurando a identidade linguística dessas comunidades.

A partir dessa perspectiva, os falantes são vistos como construtores de lugar, na medida em que experimentam o espaço físico e social. Esse lugar, para Sociolinguística, configura-se para além de uma simples localização geográfica, haja vista que perpassa pelas questões sociais e históricas que marcam esses lugares e entrelugares, um contexto significativo da ação humana, em que a língua se apresenta heteróclita e multifacetada.

Como já descrito, este Projeto tem suas amostras concentradas no Território de Identidade de Irecê e quando falamos em Território de Identidade não estamos falando apenas de conceito político-administrativo, limitado às fronteiras e tendo o estado como única fonte de poder no controle espacial. Falamos no conceito de território em outras abordagens, a de territorialidade, a qual designa a qualidade que o território ganha de acordo com a sua utilização ou apreensão pelo ser humano, a partir da análise de processos econômicos, políticos e culturais que se territorializa no tempo e no espaço, o que suscita compreender o território com outras possibilidades de constituição de outras territorialidades, com base em dimensões até então não experimentadas (SAQUET, 2009). Sim, estamos falando de um espaço socialmente construído, das relações históricas, sociais e culturais, de uma dinâmica própria, das nossas comunidades de fala.

Cabe essa retomada de discussão visto que dentre os procedimentos metodológicos iniciais destaca-se a seleção das comunidades e dos participantes da amostra, fundamentais para a constituição de banco de dados, especialmente de fala espontânea, como a ser disponibilizada através deste Projeto.

O Território de Irecê é culturalmente e linguisticamente contemplado por aproximadamente 152 (cento e cinquenta e dois) comunidades rurais afro-brasileiras, certificadas pela Fundação Palmares enquanto Remanescentes de Quilombos, contexto desafiador para uma, inicialmente, pequena estratificação de amostras. Portanto, critérios foram estabelecidos, na tentativa de parametrizar as escolhas, não perdendo o foco na representatividade das amostras.

Para o dimensionamento do corpus, foram selecionadas 06 (seis) cidades representativas do Território, que possuíam grau de urbanização, cientes que os processos de urbanização e de escolarização podem minimizar as marcas linguísticas geradas pelo contato entre povos, assim como se espera para estas comunidades a comporem a amostra do Projeto ELiHS, selecionamos a partir dos dados estatísticos as cidades que possuem menor grau de urbanização, menor que a média estadual de 72,1% e que estavam em torno de Irecê, cidade sede da UNEB – Campus XVI .

Figura 10 – Cidades sede das comunidades que comporão a amostra do ELiHS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Elaborada pela autora.

 

Na sequência, apresentaremos mais três critérios de refinamento das amostras, relativos às comunidades:

 

  1. Com Certificação na Fundação Palmares;
  1. Com Certificação na Fundação Palmares + Processo de regularização aberto no INCRA;
  2.  Dados adquiridos diante de formulário eletrônico (Google Forms), enviado a membros representativos das Comunidades do Território.

 

 O critério (i) fundamenta-se na Fundação Cultural Palmares, criada no dia 22 de agosto de 1988, pelo Governo Federal, a qual se configura como “a primeira instituição pública voltada para promoção e preservação dos valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira” (site FCP, 2021). Em 16 de fevereiro de 2022, a FCP havia emitido 152 certificações no Território de Irecê (cf. número dos processos no Apêndice A), conferindo acesso aos programas sociais do Governo Federal. No entanto, a partir do Decreto nº 4.887, de 20 novembro de 2003, a competência de regularização fundiária passou a ser do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (doravante INCRA).

Após uma exaustiva busca de informações mais específicas, que marcasse a representatividade das comunidades certificadas, fomos surpreendidos por uma segmentação de informações que são fechadas às associações locais. As lacunas deixadas para o prosseguimento de uma pesquisa de cunho Sociolinguístico nos fizeram compreender a necessidade de iniciamos essa caracterização das Comunidades do Território, possível através do formulário eletrônico (iii), planejado e executado na tentativa de reunirmos informações que colaborassem na caracterização dessas Comunidades, favorecendo o traçado de estratégias metodológicas mais ajustadas à estratificação das amostras que devem compor o banco de dados do Projeto ELiHS.

Dando prosseguimento a estratificação das amostras, estabelecemos novos critérios de refinamento, diante dos resultados gerados pelo questionário:

 

Q. 9 – Tempo de formação;

Q. 10 – Número de membros;

Q. 11 – Etnicidade;

Q. 14 e 15 – Informatização/acesso à internet e ao telefone;

Q. 16 e 178 – Nível de escolarização;

Q.18 – Distanciamento da sede (centro urbano).

           

Assim, após a análise dos resultados chegamos aos seguintes critérios sociodemográficos para refinamento da amostra, considerando os critérios (i) e (ii), já apontados, que reduziram nossa amostra a 51 (cinquenta e uma) Comunidades. Essas foram escalonadas considerando as comunidades caracterizadas por serem:

 

  • [ - ] Urbanas (estatística do IBGE e distanciamento da sede);
  • [ + ] Afrodescendente (autodeclaração – a partir de 90% dos membros);
  • [ - ] Informatizada (autodeclaração – sem ou difícil acesso à internet);
  • [ - ] Escolarizada (toda a amostra será representativa do português popular).

 

Os critérios supramencionados possibilitam a comparabilidade de resultados (FREITAG, 2018, 2020), já que a estratificação da amostra foi parametrizada em categorias sociodemográficas amplas, que garantisse a representatividade esperada, em um universo de mais de 148 comunidades rurais afro-brasileiras existentes no Território de Irecê. A possibilidade de escolhermos apenas 01 (uma) comunidade daria margem ao questionamento dos dados/resultados serem representativos apenas daquela comunidade estudada, por isso a seleção de Comunidades que integram, inicialmente, o corpus do ELiHS, traz uma proposta quantitativa e, principalmente, qualitativa, com contextos históricos e socioeconômicos diversos – alinhados aos critérios de estratificação.

Sendo assim, reafirmamos a importância de critérios metodológicos, na tentativa que a amostra, composta no âmbito do Projeto ELiHS, siga as orientações da Sociolinguística Variacionista, buscando uma padronização para que atenda a expectativa de ser representativa da diversidade das comunidades rurais afro-brasileiras do Território de Irecê. Assim, a estratificação da nossa amostra considera fatores sociodemográficos que atuam sobre a língua, a saber:

 

  1. Grau de Escolarização – Não escolarizados ou que estudaram até o 5º ano do Ensino Fundamental;
  2. Nascido e residentes na Comunidade;
  3. Sexo de registro – Masculino e Feminino;
  4.  Faixa Etária – I (20-39), II (40-59) e III (60 anos – 79 anos).

 

Quando finalizado, o banco de dados contará com 48 (quarenta e oito) gravações de áudio, com suas respectivas transcrições grafemáticas, em formato PDF, e em edição xml, acessíveis gratuitamente através do site do Projeto.